segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Straight Edge como uma cena VS. Straight Edge como um movimento...

Esse texto foi extraído do zine Fúria Cotidiana #1, editado no 1º semestre de 2004 por mim e o Luis do Nunca Inverno...ná época estavámos muito descontentes com a cena e pessoas que conheciamos, ligadas ao punk/hardcore...muito tempo se passou, muitas coisas mudaram, mas algumas coisas ainda permanecem vivas...

"Quando o straight edge começou, no início dos anos 80, não passava de um bando de garotos já cansados do punk e do uso de drogas indo de mão em mão. O punk rock era todo sobre rebelião, mas esses garotos não queriam apenas rebelar-se contra a sociedade, eles tinham uma guerra para lutar dentro de seus próprios quintais. Estavam tentando se revoltar contra seu próprio povo: a cena punk/hardcore. Naquela época o straight edge era visto como alternativa a alternativa. O straight edge progrediu muito desde essa época e muitas atitudes mudaram. Passaram-se anos desde então e parece que perdemos aquela rebelião. Parece que nos declaramos vencedores da guerra contra as drogas no hardcore e que agora a luta acabou. Mas nunca podemos descansar. Uma vez terminada uma luta temos de ir para outra. Straight edge não é apenas abstinência de drogas. Ele é a compreensão de que as drogas tornam você apático. Tornar-se straight edge deveria ser apenas o começo. Quando você está “edge” pode conseguir muitas coisas já feitas, aí você senta a bunda. Este é o novo movimento do straight edge. Quando vou á algum show que é beneficente a alguma coisa, e nenhuma das bandas fala porque gastei um dólar comprando comida pra entrar no show, eu fico deprimido. Quando uma banda esta no palco falando algo que poderia ser visto como útil e todo mundo esta do lado de fora ou em seu pequeno mundo, começo a me perguntar porque elas estão lá? E essa é a questão. Da forma como vejo o straight edge deveria ser um movimento. Significa fazer uma promessa pra você e o resto do mundo. Significa ser drug free o resto da vida e sabendo o porquê. Pessoal ou político, é tudo a mesma coisa. O pessoal é político. As decisões que você toma em sua vida pessoal afetam os outros em suas vidas políticas. O straight edge deveria ser só o começo. Deveria deixar você no caminho da ação positiva. Eu condeno o X pelo que ele representa na cena. Não vou deixar o straight edge ser reduzido a 20 colares ou calças realmente “baggy” ou um grande X gordo na tua mão. Se o straight edge não significar nada além de um estilo ou um status social, então tudo em que acredito e deposito minha fé não passa de uma piada. Um completo desperdício de tempo. Não quero nenhuma parte. Encontro-me desencantado com o straight edge. Ele adormeceu. Tornou-se apenas uma drug free youth crew na estrada para a felicidade superficial e a popularidade. Se não houvesse mais straight edgers, você se manteria fiel as suas convicções? Infelizmente muitos dos “kidz” não podem responder a essa pergunta sem mentir para si mesmo. O straight edge não tem mais nada a ver com rebelião, tem a ver com ajustar-se a ele. O straight edge é um movimento ou apenas um clichê após um outro? Hoje ele é jogado pra você fazer dele o que quiser. Não estou satisfeito com o que tenho. Nós poderíamos ser rebeldes, poderíamos ser um movimento".

Eu retirei esse texto de um zine straight edge nacional editado em 1997, o Action For Life zine, e este texto foi retirado do encarte do 7" "Idle Hands Hold Nothing", da banda Frail, lançado em 1994. E esse texto aí em cima reforça a idéia que a história sempre se repete. A cena straight edge caindo sempre nas mesmas armadilhas. O Frail era uma banda muito boa e o Action For Life um zine muito bom que infelizmente deixou de ser editado como a maioria dos zines. E eu não culpo somente o advento da Internet por esse fato, eu culpo também a apatia que se instalou nos corações do straight edgers, que preenchem os vazios de suas vidas fazendo parte dessa cena que às vezes, mas somente às vezes, dá sinal de vida (admito que estou sendo muito pessimista, mas lançar cd's qualquer rockeiro consegue fazer, e nossa produtividade não deveria se limitar somente a isso). E esse texto inicial (que de certa de forma já é antigo) fala sobre moda e apatia, as mesmas doenças que infectam nossa sociedade ruindo a cultura punk de uma forma que eu não esperava que fosse acontecer. Na realidade o rumo que a cena straight edge tomou tem me deixado muito deprimido, um aglomerado de indivíduos imaturos e que tentam dar razão as suas vidas até o término de seu curso universitário e depois se tornar adultos e crescerem. As coisas deveriam ser como já diz uma letra da banda Highscore: “a cena é um fórum, a música é uma ferramenta”, mas em vez disso temos a cena como uma festa e a música como um mero entretenimento. Aliás eu sempre achei que os shows fossem apenas entretenimento, com certeza eles poderiam ser mais do que estamos acostumados. E o straight edge não deveria ser apenas ter um X nas costas da mão em cada encontro ou entretenimento, straightedge é e deve ser algo que se estende em nossas vidas, principalmente no nosso dia a dia . A forma como conduzimos nossos atos e como não nos deixamos nos contaminar, não apenas por drogas químicas mas as sociais também (preconceitos, homofobia, racismo,etc). Mas em vez disso temos um bando de rockeiros modernos metidos a designers, artistas e fotógrafos, que se prendem a modas que de certa forma tem sido a única coisa produtiva (se é que se pode chamar isso de produtividade). Bem, o que esperar de uma cena que a cada ano, ou mudança de estação, lança uma nova tendência (na realidade copia da cena gringa...não sei quem é mais burro: eles ou nós por copiá-los...com certeza a cópia porque a música é muito pior). Mas quais as modas passadas, lembrando que a do momento são os fotologs, deixe me ver...lembrei: tínhamos o movimento anti-macdonalds, o sexismo na cena, o pro-life e pro-choice, hardlines (urghhh), a polêmica da dança violenta, feminismo e riot girls, veganismo (na época o veganismo era algo realmente forte e hoje o que temos? Sério nunca pensei que fossemos chegar a ponto do veganismo se tornar motivo de piada na boca de rockeiros vegetarianos e ex-vegans...mas o que esperar de um reduto de rockeiros de final de semana senão isso mesmo, uma cena composta por indivíduos imaturos que não sabem com o que estão se metendo. Eu me lembro quando entrei em contato com a cena straight edge, mandei cartas para a S.E.L.F. (Straight Edge Life Frame) e pesquisei sobre o assunto a partir da carta resposta. Esse grupo me passou endereços de zines que poderiam de certa forma me explicar melhor e me ajudar nessa nova etapa da minha vida. Lembro de ter entrado em contato com o pessoal do Punto de Vista Positivo, que até hoje eu acho que foi o melhor zine lançado dentro da cena straight edge brasileira, reforçando minha idéia que os zines sempre tiveram um papel fundamental dentro da cultura hardcore. Tudo bem, existem os sites devido ao advento da Internet. Ótimo, as informações chegam numa velocidade realmente satisfatória, ao passo que isso diminuiu o contato entre as pessoas, sem contar que eu prefiro ler um zine a apenas uma porra de um site...eu acho um zine bem melhor. O fato é que a cena era bem mais produtiva quando entrei em contato com ela, existia mais sinceridade, mais compromisso, convicção, não era perfeita mas eu acreditava que a mesma caminhava para algo totalmente diferente do que eu vejo hoje, um bando de indivíduos que estão apenas em busca de festa e um lugar para demonstrar seus dotes artísticos e suas tatuagens caríssimas, além de outras coisas mais. O fato é que eu sinceramente aos poucos vi a cena cair num abismo...o straight edge se prendeu a modas e coisas que o punk nunca deveriam se render...e o pior é que hoje se vê esses indivíduos desassociando o straight edge do punk, também pra eles tudo não passa de estilo de roupa e penteado. Punk usa moicano e coturno e escuta bandas punks 77; straight edgers usam roupas da veganpride e escutam bandas de old school ou mosh vegan justiceiras... Resumindo caímos nas mesmas armadilhas que deveriam ficar de fora da nossa cultura, cultura essa que deveria ser uma ferramenta para nos ajudar contra determinados padrões culturais/consumistas e todo tipo de meio opressivo, mas infelizmente nos deixamos impressionar por muito, mas muito pouco. Mas tudo bem, amanha é outro dia e nunca é tarde pra consertar nossos erros (Marcio)...

7 comentários:

  1. Caramba, vc tá é velho, hehe, mas sério, apesar da idade também contar para esse pessimismo, o distanciamento da nova geração promove essa cisão, esse desapego ao "fundamentalismo". A parte boa é que as coisas podem ser reinventadas, a ruim é que quase sempre não é. Enfim, quem paga a rodada agora?

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  2. No tempo em que escrevi um texto e uma entrevista para o primeiro número desse zine, eu acredito que concordava com o conteúdo desse texto, mas lendo atualmente, não posso deixar de me surpreender com trechos como o abaixo:

    "Passaram-se anos desde então e parece que perdemos aquela rebelião. Parece que nos declaramos vencedores da guerra contra as drogas no hardcore e que agora a luta acabou. Mas nunca podemos descansar. Uma vez terminada uma luta temos de ir para outra. Straight edge não é apenas abstinência de drogas. Ele é a compreensão de que as drogas tornam você apático. Tornar-se straight edge deveria ser apenas o começo."

    Me parece concebível que em algumas situações históricas, um contraponto radical possa ser importante para desmotivar a continuidade de um comportamento doentio.
    No contexto da cena punk/hardcore estadunidense do início dos anos 80, realmente parecia razoável uma guerra contra as drogas. A cena estava cada vez mais violenta, e uma conscientização sobre os abusos das drogas era de fato interessante. Um fato importante, mas geralmente desconhecido, para o surgimento do Straight Edge, foi a morte por overdose de heroína de um amigo de Ian Mackaye [1]. Foi um grande motivo para que ele e a galera com quem andava levantassem uma bandeira contra as drogas, rejeitando uma cultura de auto-destruição. O resto da história todos sabem: A Dischord Records foi fundada por Mackaye e Jeff Nelson, pra lançar o Teen Iddles, e em seguida Minor Threat. Em outros lugares dos EUA, o Straight Edge se espalha rapidamente e passa a ser usado inclusive como válvula de escape para atitudes de caráter conservador. Depois de alguns anos, em NY surgem as associações do sxe com o Hare Krishna e toda aquela multidão de cabelos raspados, moletons esportivos e tenis nike. Nesse período, a galera de Ian já estava em outra: nasce o Embrace influenciado pelo sensacional Rites of Spring, e por incrivel que pareça essa galera já não fala mais de Straight Edge como antes.
    O que houve? Suponho que se um movimento straight edge radical florescesse em Washington, a galera de Ian estaria arranjando briga de verdade no próprio quintal, dado o fato que gente como os pioneiros rastafaris do hardcore em Washington, Bad Brains, eram simpatizantes da marijuana, como todo bom rastafari [2]. Curiosamente, foram esses mesmos rastafaris a maior influência no início da cena punk/hc de Washington, não é preciso muito esforço para perceber a grande semelhança do som do Minor Threat com o Bad Brains. Percebemos então que a Dischord não está mais preocupada em lançar bandas straight-edges, mas bandas de Washington que adotem o punk como uma atitude de sinceridade, independência, senso crítico e criatividade. Nesse terreno fértil surgem outras bandas ótimas como o Nation of Ulysses, uma das primeiras bandas a misturar hardcore com jazz..

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  3. Agora, qual o sentido para uma guerra contra as drogas no hardcore nos tempos atuais, como o texto do Frail requisita? Olha, acho que atitudes como o straight edge e a abstinência de drogas são em certo ponto admiráveis, mas levantar a questão da guerra contra as drogas parece um tanto quanto hardline, sem dúvidas há muitos problemas maiores que as drogas. Isso sem contar no uso cultural e moderado das drogas que é praticamente inofensivo, dado que a ingestão moderada de álcool traz benefícios para a circulação sanguínea, ou que muitos peruanos mascam folhas de coca com responsabilidade como uma forma de resistir às grandes subidas dos montes. Dou toda razão ao pessoal do Frail em desenvolver uma crítica para que as pessoas fossem além do straight edge, mas não é citado nada sobre atividades que levem o punk a um nível "menos encapsulado dentro da própria cena", como o ativismo em suas diversas formas, ou ações como o food not bombs, hortas comunitárias, cooperativas punks, etc....
    Parece que alguns gringos acham que não existe "mundo real" fora da cena punk, ou cena straight edge ou qualquer outra cena. Sobre cenas, o nome já diz tudo, encenação, dramaturgia, mesmo enquanto estética da rebeldia. Se eles passassem uns dias em um "país de terceiro mundo", talvez mudassem de concepção. Felizmente muitas "bandas straight-edges" brasileiras, como o PONR, Adcional, Newspeak, Rethink, Colligere foram realmente além dos cenismos e abordaram temas mais maduros. Mas sinceramente, no fim das contas, hoje o texto do Frail me parece mais o relato de um religioso, triste porque seus dogmas não são mais seguidos até a morte por seus seguidores. E quem garante que o próprio autor do texto já não concorde com ele integralmente [3]..

    [1] : Retirado, desse link, http://en.allexperts.com/e/i/ia/ian_mackaye.htm :

    The song "Straight Edge" was written by MacKaye for his band, Minor Threat, and was released in 1981 on Minor Threat's self-titled EP. The song, according to The Manchester Newspaper in 1997, was written as an obituary for a friend of MacKaye's who died from an overdose of heroin. Ian expressed his pain, anger, and his determination of being clean and pure of any type of drug.

    [2] HR, vocalista do Bad Brains, fala sobre drogas em uma entrevista, retirada desse link http://www.operationphoenixrecords.com/suburbanvoicebadbrains.html:

    SV: There's a lot of anti-drug mania in the US right now.
    HR: Well, I man is against drugs, too. I man is an anti-drug mania, too. But herb isn't a drug and that's where they make their mistake.

    [3] Uma pista sobre o que o ex-vocalista do Frail anda fazendo hoje em dia: http://www.myspace.com/88002219

    abraços
    oriel

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  4. Legal saber que o blog tenha aberto um espaço para discussão...hoje olhando o texto também acho que muita coisa mudou, como muitas pessoas inclusas no punk/hardcore, como eu e você Oriel...e pois é Aristides, muito pessimista essa visão de como as coisas estavam, mas eu deixei claro no começo que na época estávamos descontentes e desapontados com a cena como um todo...Oriel, o Ian não foi o único a ter entes queridos com problemas relacionados a drogas...meu irmão fumava crack e injetava no banheiro da nossa casa, nos roubava...foi um período bem difícil para a nossa família...e isso foi o ponto crucial para a minha "guerra contra as drogas"...em algum momento no seu comentário parece-me que há uma ênfase considerável a estética musical da coisa, nunca relacionei o sxe apenas a musica positiva ou guerra contra as drogas...talvez seja por isso que o apego a estética musical apague a importância que tem ainda hoje a negação ao uso de drogas e outros aspectos relacionados ao sxe...e talvez também te de motivos pra me comparar a hardlines...mas fica claro e entendo, quando você diz que o uso moderado de drogas traz benefícios, segundo seu ponto de vista...até onde sei, sua família na teve esse tipo de problema, você não vive no meio de traficantes ou um bairro violento, vive num bairro de classe media, muito bonito por sinal...eu também vivo num lugar sem ou com pouca violência, aparentemente...mas nisso tudo o que posso dizer é que os motivos que levam as pessoas a assumir certas posturas dizem respeito ao contexto na qual elas estavam ou estão inseridas, talvez seja por isso que discordamos em alguns pontos, o que as vezes pode ser interessante...mantém viva a idéia da discussão, o que acho produtivo... mas naquela época fatores pessoais/familiares falaram mais alto para eu escrever o texto, entre tantos outros, não o apego a estética musical...sxe nunca se limitou a isso pra mim...

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  5. Primeiramente, fico feliz que a discussão tenha fluido numa boa :)
    Então, tenho ciência dessa situação familiar complicada envolvendo drogas, e que ela teve um grande peso na forma de vc pensar e na escrita desse texto. Mas justamente como vc disse, isso faz mais sentido dentro do seu contexto. O problema pra mim é quando a coisa tende para o lado da imposição, de um movimento organizado para tentar converter outras pessoas, "as novas cruzadas" como o faded grey satiriza numa música. Isso pode gerar desconforto, inimizade e etc.. Só não entendi direito o que vc quis dizer com o termo "estética musical". Esse termo me lembra alguns chavões existentes na cena punk, como a crença que a música é uma mera muleta, uma simples ferramenta para as idéias, para toda a coisa política (embora eu sempre tenha achado a política muito importante também). Quem curte muito a música, corre o risco de ser chamado por rótulos como artista, rockeiro, moderno, alternativo.. Algumas vezes tive a impressão que existe uma espécie de cartilha mental do punk, que é seguida sem pensar ou questionar muito, e as vezes as atitudes acabam sendo contraditórias com as coisas que se diz ou se escreve.

    Sem dúvida a cena hardcore/punk é um lugar fértil para o crescimento e discussão de diversas ideias e práticas interessantes, mas antes de idealizá-la completamente é importante lembrar que ela não deixa de ser um espelho da sociedade, repleta de preconceitos, aspirações por status, identificação de grupo. Auto-crítica é um acessório que considero muito importante, pra não cairmos em armadilhas que fortaleçam ainda mais o tecido social do poder , desigualdade e hierarquização..

    ps: quando falo em cena punk, não quero e nem posso generalizar toda a coisa.. cada país, cada cidade tem sua própria realidade.. até onde conheço, gosto muito da forma como o punk se desenvolveu entre a galera do crass, fugazi, the ex .. sinto um ambiente de intensa liberdade e auto-crítica..
    as palavras de crítica que escrevi possuem relação com minhas experiências, com as bandas, shows, festivais e pessoas que conheci...

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  6. Muito bom o texto Marcio, me fez parar pra pensar em várias coisas que realmente a gente que faz parte de tudo isso, deixa de fazer!

    valeu

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  7. MUITO BOM ESTE TEXTO,POSTEI UMA PARTE DELE EM MEU BLOG OK!!!
    ABRAXXX

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