Esse texto foi extraído do zine Fúria Cotidiana #1, editado no 1º semestre de 2004 por mim e o Luis do Nunca Inverno...ná época estavámos muito descontentes com a cena e pessoas que conheciamos, ligadas ao punk/hardcore...muito tempo se passou, muitas coisas mudaram, mas algumas coisas ainda permanecem vivas..."Quando o straight edge começou, no início dos anos 80, não passava de um bando de garotos já cansados do punk e do uso de drogas indo de mão em mão. O punk rock era todo sobre rebelião, mas esses garotos não queriam apenas rebelar-se contra a sociedade, eles tinham uma guerra para lutar dentro de seus próprios quintais. Estavam tentando se revoltar contra seu próprio povo: a cena punk/hardcore. Naquela época o straight edge era visto como alternativa a alternativa. O straight edge progrediu muito desde essa época e muitas atitudes mudaram. Passaram-se anos desde então e parece que perdemos aquela rebelião. Parece que nos declaramos vencedores da guerra contra as drogas no hardcore e que agora a luta acabou. Mas nunca podemos descansar. Uma vez terminada uma luta temos de ir para outra. Straight edge não é apenas abstinência de drogas. Ele é a compreensão de que as drogas tornam você apático. Tornar-se straight edge deveria ser apenas o começo. Quando você está “edge” pode conseguir muitas coisas já feitas, aí você senta a bunda. Este é o novo movimento do straight edge. Quando vou á algum show que é beneficente a alguma coisa, e nenhuma das bandas fala porque gastei um dólar comprando comida pra entrar no show, eu fico deprimido. Quando uma banda esta no palco falando algo que poderia ser visto como útil e todo mundo esta do lado de fora ou em seu pequeno mundo, começo a me perguntar porque elas estão lá? E essa é a questão. Da forma como vejo o straight edge deveria ser um movimento. Significa fazer uma promessa pra você e o resto do mundo. Significa ser drug free o resto da vida e sabendo o porquê. Pessoal ou político, é tudo a mesma coisa. O pessoal é político. As decisões que você toma em sua vida pessoal afetam os outros em suas vidas políticas. O straight edge deveria ser só o começo. Deveria deixar você no caminho da ação positiva. Eu condeno o X pelo que ele representa na cena. Não vou deixar o straight edge ser reduzido a 20 colares ou calças realmente “baggy” ou um grande X gordo na tua mão. Se o straight edge não significar nada além de um estilo ou um status social, então tudo em que acredito e deposito minha fé não passa de uma piada. Um completo desperdício de tempo. Não quero nenhuma parte. Encontro-me desencantado com o straight edge. Ele adormeceu. Tornou-se apenas uma drug free youth crew na estrada para a felicidade superficial e a popularidade. Se não houvesse mais straight edgers, você se manteria fiel as suas convicções? Infelizmente muitos dos “kidz” não podem responder a essa pergunta sem mentir para si mesmo. O straight edge não tem mais nada a ver com rebelião, tem a ver com ajustar-se a ele. O straight edge é um movimento ou apenas um clichê após um outro? Hoje ele é jogado pra você fazer dele o que quiser. Não estou satisfeito com o que tenho. Nós poderíamos ser rebeldes, poderíamos ser um movimento".Eu retirei esse texto de um zine straight edge nacional editado em 1997, o Action For Life zine, e este texto foi retirado do encarte do 7" "Idle Hands Hold Nothing", da banda Frail, lançado em 1994. E esse texto aí em cima reforça a idéia que a história sempre se repete. A cena straight edge caindo sempre nas mesmas armadilhas. O Frail era uma banda muito boa e o Action For Life um zine muito bom que infelizmente deixou de ser editado como a maioria dos zines. E eu não culpo somente o advento da Internet por esse fato, eu culpo também a apatia que se instalou nos corações do straight edgers, que preenchem os vazios de suas vidas fazendo parte dessa cena que às vezes, mas somente às vezes, dá sinal de vida (admito que estou sendo muito pessimista, mas lançar cd's qualquer rockeiro consegue fazer, e nossa produtividade não deveria se limitar somente a isso). E esse texto inicial (que de certa de forma já é antigo) fala sobre moda e apatia, as mesmas doenças que infectam nossa sociedade ruindo a cultura punk de uma forma que eu não esperava que fosse acontecer. Na realidade o rumo que a cena straight edge tomou tem me deixado muito deprimido, um aglomerado de indivíduos imaturos e que tentam dar razão as suas vidas até o término de seu curso universitário e depois se tornar adultos e crescerem. As coisas deveriam ser como já diz uma letra da banda Highscore: “a cena é um fórum, a música é uma ferramenta”, mas em vez disso temos a cena como uma festa e a música como um mero entretenimento. Aliás eu sempre achei que os shows fossem apenas entretenimento, com certeza eles poderiam ser mais do que estamos acostumados. E o straight edge não deveria ser apenas ter um X nas costas da mão em cada encontro ou entretenimento, straightedge é e deve ser algo que se estende em nossas vidas, principalmente no nosso dia a dia . A forma como conduzimos nossos atos e como não nos deixamos nos contaminar, não apenas por drogas químicas mas as sociais também (preconceitos, homofobia, racismo,etc). Mas em vez disso temos um bando de rockeiros modernos metidos a designers, artistas e fotógrafos, que se prendem a modas que de certa forma tem sido a única coisa produtiva (se é que se pode chamar isso de produtividade). Bem, o que esperar de uma cena que a cada ano, ou mudança de estação, lança uma nova tendência (na realidade copia da cena gringa...não sei quem é mais burro: eles ou nós por copiá-los...com certeza a cópia porque a música é muito pior). Mas quais as modas passadas, lembrando que a do momento são os fotologs, deixe me ver...lembrei: tínhamos o movimento anti-macdonalds, o sexismo na cena, o pro-life e pro-choice, hardlines (urghhh), a polêmica da dança violenta, feminismo e riot girls, veganismo (na época o veganismo era algo realmente forte e hoje o que temos? Sério nunca pensei que fossemos chegar a ponto do veganismo se tornar motivo de piada na boca de rockeiros vegetarianos e ex-vegans...mas o que esperar de um reduto de rockeiros de final de semana senão isso mesmo, uma cena composta por indivíduos imaturos que não sabem com o que estão se metendo. Eu me lembro quando entrei em contato com a cena straight edge, mandei cartas para a S.E.L.F. (Straight Edge Life Frame) e pesquisei sobre o assunto a partir da carta resposta. Esse grupo me passou endereços de zines que poderiam de certa forma me explicar melhor e me ajudar nessa nova etapa da minha vida. Lembro de ter entrado em contato com o pessoal do Punto de Vista Positivo, que até hoje eu acho que foi o melhor zine lançado dentro da cena straight edge brasileira, reforçando minha idéia que os zines sempre tiveram um papel fundamental dentro da cultura hardcore. Tudo bem, existem os sites devido ao advento da Internet. Ótimo, as informações chegam numa velocidade realmente satisfatória, ao passo que isso diminuiu o contato entre as pessoas, sem contar que eu prefiro ler um zine a apenas uma porra de um site...eu acho um zine bem melhor. O fato é que a cena era bem mais produtiva quando entrei em contato com ela, existia mais sinceridade, mais compromisso, convicção, não era perfeita mas eu acreditava que a mesma caminhava para algo totalmente diferente do que eu vejo hoje, um bando de indivíduos que estão apenas em busca de festa e um lugar para demonstrar seus dotes artísticos e suas tatuagens caríssimas, além de outras coisas mais. O fato é que eu sinceramente aos poucos vi a cena cair num abismo...o straight edge se prendeu a modas e coisas que o punk nunca deveriam se render...e o pior é que hoje se vê esses indivíduos desassociando o straight edge do punk, também pra eles tudo não passa de estilo de roupa e penteado. Punk usa moicano e coturno e escuta bandas punks 77; straight edgers usam roupas da veganpride e escutam bandas de old school ou mosh vegan justiceiras... Resumindo caímos nas mesmas armadilhas que deveriam ficar de fora da nossa cultura, cultura essa que deveria ser uma ferramenta para nos ajudar contra determinados padrões culturais/consumistas e todo tipo de meio opressivo, mas infelizmente nos deixamos impressionar por muito, mas muito pouco. Mas tudo bem, amanha é outro dia e nunca é tarde pra consertar nossos erros (Marcio)...